Um amor chamado Daytona - As Crónicas de um Viciado

Ainda me lembro bem de quando me apaixonei pelo Ferrari Daytona. Não nasci a tempo de o ver correr, nem sequer o vi pela primeira vez sob a forma de réplica em Miami Vice, isso só aconteceria anos mais tarde, já nos tempos da internet. Foi há muitos anos, quando a Shell ainda existia em Portugal, e lançou uma colecção de miniaturas Ferrari que contemplava alguns dos modelos mais míticos da marca. Para promover essa colecção tinham uma espécie de catálogo com todos os modelos que iriam vender (ou oferecer a quem tivesse pontos suficientes) e um breve resumo sobre cada um deles. Hoje em dia isto pode parecer a coisa mais banal do mundo, porque vivemos na era da informação, em que a qualquer momento se pega no telefone que temos no bolso e descobrimos tudo o que quisermos sobre o que quisermos em tempo real, mas para uma criança nos anos 90, qualquer acesso a conhecimentos novos sobre um tema que lhe interessasse era um luxo, e este era, sem dúvida, o meu tema favorito. Eis que nesse catálogo aparecia então uma foto do 365 GTS/4 "Daytona", em amarelo, com os seus longos piscas laranja na lateral do carro, junto de uma descrição que falava das suas 170 milhas por hora de velocidade máxima, que eu obviamente não tinha qualquer noção se seria um valor assim tão elevado quanto isso, mas que me pareceu imenso. Em retrospectiva, o facto de terem apresentado esse valor em milhas foi provavelmente resultado de alguma tradução muito preguiçosa, mas provavelmente se dissesse lá 270 km/h, não teria tido o mesmo impacto que teve na minha jovem mente, porque eu estava habituado a ler isso em revistas de carros, já a milha era um valor muito mais misterioso.
Não me lembro de quando foi exactamente o primeiro momento em que olhei para esse catálogo, mas lembro-me do momento em que estava num café com os meus pais e tive de verbalizar que aquele carro teria de ser meu porque atingia 170 milhas por hora (o que me pareceu um motivo bastante válido na altura), embora tivesse alguma vergonha de admitir ao meu pai que também era por ter adorado aqueles enormes piscas laranja, quando ele tinha gasto não sei quantos contos em piscas brancos para o seu E36 Compact, porque não suportava os laranja que vinham no carro. Eles fizeram-me a vontade e deram-me o Daytona e o resto dos Ferraris todos dessa colecção, que ainda tenho até hoje, e eventualmente fui comprando outros Daytonas e aprendendo tudo o que pude sobre o carro, já com recurso à internet, no tempo em que ela ainda fazia o som de um robôt a nascer para ser ligada.
Infelizmente ainda estou muito longe de ter um que realmente dê as tais 170 milhas por hora, mas de vez em quando ainda visto o meu blazer branco, arregaço as mangas, abro o vidro do carro e ponho a In The Air Tonight do Phil Collins no rádio, para sonhar um pouco com uma vida mais simples.

Gonçalo Sampaio, no Vício dos Carros


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